ALUNO DA UFCG CRIA JOGO DE TABULEIRO QUE DISCUTE A CULTURA E REPRESENTATIVIDADE NEGRA ATRAVÉS DA CAPOEIRA
Um aluno do curso de Design da Universidade Federal de Campina Grande resolveu trazer o tema do racismo e do respeito ao próximo de uma forma lúdica e acessível. Wagner Porto teve a ideia de abordar o assunto em seu trabalho de conclusão de curso, que resultou na elaboração do “Paranauê”, jogo de tabuleiro inspirado na Capoeira e que pretende contribuir para vencer questões sociais que há muitos séculos enfrentam batalhas diárias no Brasil e no mundo.
Não é a primeira vez que Wagner usa de trabalhos universitários para discutir assuntos de interesse geral. No ano passado, em projeto para uma disciplina, ele criou o jogo “Monte seu LGBT”, que discutia questões a respeito da diversidade de orientações sexuais. O trabalho ganhou espaço em rádios e jornais paraibanos, foi às salas de aulas e fomentou a discussão de um tema presente diariamente na sociedade, porém encoberto por diversas formas de preconceito.
Dessa vez, a ideia segue sendo debater assuntos polêmicos e permitir que a sociedade discuta, de maneira lúdica, e repense as próprias atitudes, deixando prevalecer o respeito e a igualdade entre todos. A escolha da Capoeira, assim, faz toda a diferença, segundo o estudante, já que se trata de uma manifestação cultural brasileira de origem afro, o que dá suporte para futuros debates que abordem temas como preconceito e racismo.
“O público alvo desse projeto são os alunos do Ensino Fundamental II de escolas públicas. Mas a intenção é também levar para as escolas privadas e ainda para a casa das pessoas”, explicou o Wagner. “A ideia com o jogo é trazer a representatividade negra para as pessoas de uma forma intuitiva, lúdica e com um tema tão importante para o nosso País, a Capoeira, que é uma manifestação cultural do Brasil e patrimônio nosso. O jogo tem o objetivo de valorizar a cultura afro-brasileira, com personagens negros masculinos e femininos, personagens pouco presentes em jogos de tabuleiro”, completou, enfatizando que a justificativa para trazer o jogo às escolas está embasada nas leis nº 10.639 e 11.645, que obrigam as escolas públicas e privadas do país a abordarem questões referentes à história da África e cultura afro-brasileira e indígena.
O Paranauê já foi apresentado e aprovado por banca examinadora na Universidade, sob a orientação do professor Rodrigo Motta, da Unidade Acadêmica de Design do Centro de Ciências e Tecnologia da UFCG e coordenador do curso de Jogos Digitais da Unifacisa. O jogo está agora na fase de inscrição em concurso e apresentação a fornecedores para que se efetive sua inclusão no mercado.
Enquanto isso, ele vai sendo posto em prática. Na última terça-feira (4/9), o autor do projeto o levou para a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Lilosa Barreto, no bairro do Monte Castelo, em Campina Grande. A convite da professora Fabrícia Sousa, profissional da escola e capoeirista, alunos do quinto ano puderam brincar e aprender com a iniciativa, que não pretende parar por aí. Isso porque novas apresentações já estão marcadas, em escolas públicas, academias e espaços de Capoeira.
“Eu sabia que queria trabalhar com um jogo de tabuleiro outra vez. Aprendi muito com a primeira experiência, sabia que podia fazer ainda melhor, e agora era a vez de abordar outro tema que sempre me interessou muito, que é a questão racial, embora eu ainda não conhecesse tão a fundo”, contou Wagner. “Quando entrei em contato direto com a Capoeira, especialistas na área, professores, pesquisadores e obras sobre o assunto, fiquei fascinado. O valor da Capoeira é imenso para o nosso país e para os seus praticantes. Todos deveríamos conhecer ao menos um pouco sobre o que ela representa. Não só a Capoeira como luta, como é abordada tantas vezes, mas, sim, os valores educacionais ali presente, seu contexto histórico, sua musicalidade, as modificações causadas em quem a pratica”, finalizou.
O JOGO
“Paranauê” se passa no final do século XVIII, quando a Capoeira foi perseguida no Brasil. Cada jogador assume a identidade de um mestre que precisa montar a sua própria roda de capoeira. Para isso, é preciso pegar uma carta-objetivo, que indicará todos os componentes que faltam para a sua equipe ser plenamente formada.
Esse processo envolve, por exemplo, atrair integrantes, que se dividem nas graduações principais da Capoeira (aprendiz, graduado, instrutor, contra-mestre e mestre). E aí, através de cartas, os jogadores são apresentados a vestimentas típicas, instrumentos musicais (como diversos tipos de berimbau, reco-reco, agogô, pandeiro, atabaque e outros), golpes, além de materiais relacionados à arte, como é o caso de sementes, corda, arame, couro, madeira, palha. Tudo de uma forma bastante intuitiva e lúdica.
Os valores educacionais da Capoeira são divididos em três cartas: disciplina, companheirismo e respeito. É possível, por exemplo, que algumas cartas sejam doadas entre os jogadores. “A ideia é estimular a cooperação, comportamento tão abordado na Capoeira. Mesmo havendo uma competição, é crucial lembrar que todos precisam uns dos outros para seguir em frente e mais fortes”, explicou o autor do projeto.
O objetivo, então, é alcançar a meta estipulada na carta inicial, conseguindo as demais cartas necessárias. Tudo isso acontece por meio de duelos, regidos por lançamentos de dados. E à medida que a partida vai acontecendo, vários acontecimentos são possíveis. É o caso da carta “Toque: Cavalaria”, que representa o toque que os capoeiristas usavam para avisar aos companheiros que a cavalaria estava se aproximando, com o objetivo de despistá-la. No jogo, essa analogia é possível. Outras situações também são possíveis, sempre levando os jogadores a pensar os valores da Capoeira, aplicá-los e entender melhor a história de uma das mais tradicionais manifestações culturais no país.