Radiotelescópio instalado no Sertão da Paraíba promete revolucionar estudos sobre a matéria escura do universo

A Cosmologia é a ciência que estuda a origem do Universo, além de sua estrutura, evolução e composição. Ao longo dos séculos, o ser humano tem se empenhado para tentar compreender o universo e suas principais questões. Dentre estas, uma parece frequentemente escapar entre os dedos dos cientistas ao longo das décadas: o que é a matéria escura?

Atualmente, sabe-se que a matéria escura é uma parte integrante do universo que a ciência ainda não sabe exatamente o que seja – é considerada matéria por ser capaz de exercer força gravitacional; escura, pois, não emite nenhuma luz. Logo, torna-se uma matéria praticamente “invisível”, uma vez que não é possível de ser observada a partir da luz. Ainda assim, estima-se que a matéria escura ocupe 25% do universo e a energia escura corresponda a quase 70% dele, atuando como um tipo de antigravidade no espaço.

Com o foco nesta questão, um projeto inovador está sendo desenvolvido nos últimos anos pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), em parceria com diversas instituições nacionais e internacionais, com o intuito de dar o próximo passo na compreensão da matéria escura. O projeto Bingo visa construir o primeiro radiotelescópio do mundo capaz de detectar as Oscilações Acústicas de Bárion (BAO) através de ondas de rádio geradas na interação dos átomos de hidrogênio com a radiação no universo.

Por meio do radiotelescópio, que está sendo instalado no município de Aguiar, no Sertão da Paraíba, será possível interagir com a matéria escura através de medições de hidrogênio neutro em distâncias cosmológicas – em outras palavras, o radiotelescópio deve usar as oscilações bariônicas acústicas como espécies de réguas cosmológicas capazes de medir o universo.

O projeto – que nasceu originalmente no Reino Unido, na Universidade de Manchester – veio para o Brasil após pesquisadores da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) assumirem o projeto em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), além de outros profissionais de diversas instituições, dentre elas o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). Atualmente, o Bingo conta com a colaboração internacional entre Inglaterra, China e Brasil, tendo a liderança dos brasileiros para a sua execução, fator que foi determinante para o Governo do Estado da Paraíba, por exemplo, investir mais de R$ 11 milhões no projeto.

O radiotelescópio, uma vez concluído, será formado por uma rede de radiotelescópios separadas por um raio de 300 km entre si, tendo sua estrutura principal equivalente ao tamanho de um estádio de futebol. Apesar disso, o radiotelescópio foi projetado para ter um baixo custo, quando comparado a equipamentos do mesmo porte pelo mundo. Alguns dos equipamentos eletrônicos da sua composição já estão disponíveis no mercado, mas outros ainda apresentam desafios tecnológicos que vem sendo vencidos pela equipe de pesquisadores do projeto. A magnitude do projeto em si já representa um impacto tecnológico de inovação para a indústria nacional.

Em março deste ano, foi inaugurada a primeira estrutura que deve compor o projeto original: o Uirapuru. Este é o primeiro radiotelescópio auxiliar do projeto Bingo que atua como uma corneta-piloto capaz de captar sinais astrofísicos e já está instalado na UFCG, no campus Campina Grande. A corneta é fruto de um trabalho conjunto entre os departamentos de Física e Engenharia Elétrica da universidade, e serve como instrumento de testes e treinamentos educacionais para a comunidade acadêmica. Porém, esta é apenas a primeira dentre as vinte e oito cornetas que devem ser construídas e instaladas para compor o radiotelescópio Bingo. Ainda assim, o Uirapuru já é considerado o marco inicial de uma nova era da radioastronomia na Paraíba e no Brasil.

O professor e coordenador do projeto na UFCG, Luciano Barosi, conta que uma das principais dificuldades enfrentadas pela pesquisa é construir uma rede de pessoas capacitadas para lidar com o radiotelescópio. “O que a gente precisa é criar uma rede de capacidades, de pessoas, de recursos humanos; é um equipamento muito grande que precisa de gente trabalhando nele nas mais diversas áreas, como físicos teóricos, físicos experimentais, engenheiros eletricistas, mecânicos, civis, etc.” explicou Luciano.

Além disso, o professor também afirmou que apesar dos aportes já alcançados nesta fase inicial, o projeto ainda necessita de mais recursos até a sua conclusão, e que o apoio de investimentos institucionais é fundamental para o pleno desenvolvimento do projeto Bingo.

Espera-se que o projeto seja concluído nos próximos anos, formando uma nova geração de pesquisadores, promovendo a cultura científica no estado e, principalmente, tornando-se o primeiro radiotelescópio do mundo a ser capaz de levar a ciência e o ser humano um pouco mais próximo das tão esperadas respostas aos grandes questionamentos do universo.