Do CCT para o mundo: ex-aluno embarca para Torino, na Itália, onde assumirá posição de destaque na Iveco
Volkswagen, Mercedes, Volvo, Ford. Essas são algumas das empresas por onde Francivaldo Lemos já passou. Mais que isso, mercados onde ele se destacou e conquistou a admiração de colegas, companheiros e clientes. Mas seu atual maior desafio profissional virá nos próximos meses. É que a Iveco, uma das principais fabricantes de veículos pesados, caminhões, ônibus e utilitários leves no mundo, convidou o brasileiro para se juntar ao quadro de funcionários da multinacional, em Torino, sua sede oficial, e em breve ele embarcará para mais essa aventura. Só que a história dele começa há algum tempo, e o Centro de Ciências e Tecnologia da UFCG tem o privilégio de fazer parte dessa trajetória.
Francivaldo nasceu no Juazeiro do Norte, Ceará. Segundo ele próprio conta, gostava de criar coisas. Criava sem saber explicar o porquê, e as coisas davam certo. Às vezes, claro, não saíam como planejado, e tampouco não sabia explicar por quê. Chegou a se formar em Edificações. Mas não era bem o que queria. O garoto sonhava com a Engenharia Mecânica.
“O pessoal costumava brincar que na minha mamadeira, ao invés de leite, tinha óleo diesel”, solta. “Mas meu primeiro trabalho foi com saneamento básico. E não gostei. Logo pedi demissão. Queria entrar na indústria automobilística, fazer o que faço hoje, e sabia que não era ali o meu lugar”, continua. “Meu chefe dizia que eu estava maluco, perguntava se eu sabia do tamanho do desafio que tinha pela frente. E, honestamente, eu não sabia mesmo. Mas queria subir um degrau de cada vez, e o primeiro seria o vestibular”.
Assim começa a história de um dos alunos mais proativos, determinados e exemplares do CCT. Francivaldo, a contragosto de seus familiares, adequou a rotina para incluir estudos e horário de cursinhos. Fez dois vestibulares, em Pernambuco (UFPE) e na Universidade Federal de Campina Grande, sempre assinalando Engenharia Mecânica como primeira e segunda opção. Passou em todos. Optou por ficar em Campina Grande. Era segundo semestre de 1996. De origem humilde, mudou-se com quase nada na mochila, e tanto em sonhos. “Minha meta era entrar na faculdade, e de lá sair para a indústria automobilística”, revela.
UFCG
Em Campina Grande, ele conseguiu subir o primeiro degrau. Finalmente, então, estava na Universidade. E nem tudo foi como o sonho. “A Universidade não prepara o aluno exatamente para ser um especialista em determinada área, ele pode ir para qualquer uma, e isso, a princípio, me assustou, não era como eu esperava”, conta. A grande mudança, no entanto, estava prestes a acontecer. “Só que estava havendo um evento, uma feira de tecnologia, e lá encontramos uns colegas da UFRN expondo o projeto Baja. Era o que precisávamos”.
Baja é um projeto de âmbito mundial que estimula os estudantes de engenharia a projetar, construir e testar um veículo off-road visando à aplicação prática dos conhecimentos adquiridos em sala de aula. A ideia é que os trabalhos conquistados sejam apresentados em competições regionais, nacionais e até internacionais, onde estudantes se desafiam e aprendem na prática sobre o tema. Francivaldo e um grupo de amigos, todos alunos da UFCG, resolveram investir naquilo. E assim nascia, na UFCG, o Parahybaja, um dos trabalhos de extensão de maior sucesso da instituição.
“O começo não foi fácil. O único da equipe com alguma experiência era eu, por ter trabalhado em uma oficina havia muito tempo. Mas faltava acima de tudo apoio, professores muitas vezes investiam do próprio bolso, a pressão era grande. Mas conseguimos construir o primeiro carro”. E assim, sem facilidades, mas com empenho de sobra, passaram-se sete anos, e ele ali adquirindo experiência e competindo como capitão da equipe.
ESTÁGIO E TCC
Após tanto tempo se dedicando ao Baja, Francivaldo passou a ter novos objetivos. “Eu precisava entrar no mercado. Comecei pesquisando quais mercados pareciam frutíferos, a longo prazo mesmo, e quais cargos eram os mais estáveis e promissores dentro da Engenharia. Com essa base, passei a buscar estágio. E consegui em várias grandes empresas, como a Volks, Volvo e Mercedes”, diz. Nesta última, Francivaldo revela que descobriu um nicho de mercado, uma espécie de lacuna que poderia ser trabalhada. Projetou, focado nisso, um projeto diferencial, que terminaria sendo seu Trabalho de Conclusão de Curso e uma alavanca para o sucesso na carreira.
“Era um projeto bem avançado para a época. Cheguei a inscrever em um congresso, e o avaliador nem sequer entendeu de que se tratava, precisei passar meia hora no telefone explicando a ele o que queria dizer. E foi ele que me ligou perguntando”, conta. Não dava para saber ainda, mas esse trabalho seria seu passaporte para o mercado profissional.
MÉRITO
“Me lembro do último dia na Faculdade. Prova de Estatística. Saí dali com as malas prontas para São Paulo, para assinar com a Mérito”, lembra. Na época, a Mérito era uma das maiores empresas do mercado, e local onde Francivaldo também já havia estagiado por um período. Lá, ele ficou por um longo tempo. Fez amizades, começou a escrever seu nome na indústria. Até que saiu da empresa para a Volkswagem, outra vez, agora oficialmente contratado. “Fiquei em vários cargos. Terminei me destacando também porque sabia realizar várias atividades sem precisar do pessoal de equipamento, por exemplo, especialmente por eu ter trabalhado no passado em uma oficina, mas também pela experiência e aprendizado que vinha obtendo ao longo dos anos. Cheguei à instrumentação, assumi suspensão… Foram vários setores”. Até que veio o convite para ser engenheiro da Iveco, integrar o centro de desenvolvimento da empresa. “Só existem três desse, dois em Torino e um em São Paulo”.
Na Iveco, o clichê passou a fazer todo sentido: do CCT para o mundo! Na empresa, Francivaldo desenvolveu carros do zero, criou inúmeras soluções, trabalhou especialmente com a adequação de veículos italianos ao mercado brasileiro. “Nesse intervalo, cheguei a ser engenheiro de chassi da escuderia Iveco na Fórmula Truck. Fomos campeões em 2013, com um carro projetado do zero, a suspensão toda desenvolvida por mim”, revela com orgulho.
Mas foi sua criatividade que o fez alçar voos ainda mais longos. Em 2014, assumiu a coordenação técnica da área de inovação. E os números, de lá pra cá, falam por si só: a Iveco de Francivaldo é responsável por diversas patentes propostas, e algumas deverão virar produtos nos próximos anos. Inclusive seu trabalho de TCC.
ITÁLIA
Tanto empenho e reconhecimento não poderia resultar em outra história: a Iveco italiana convidou o brasileiro para integrar seu pessoal.
“Foi totalmente uma surpresa. Eu até sabia que estavam planejando me chamar para passar uns anos, talvez dois ou três, para trabalhar em um projeto específico. Mas agora é diferente, o plano é que eu fique em definitivo na Itália. Estou muito feliz. Lógico que é uma mudança de vida absurda, mas também incrível. Tudo está a mil, e gosto disso, não me assusto, meu combustível é o desafio. É uma experiência única, e espero aproveitá-la da melhor forma possível”, comemora.
O garoto de Juazeiro do Norte, o jovem estudante do CCT, chegou lá. “Quando saí do primeiro emprego, meu chefe, após me orientar e perguntar várias vezes, me disse que me admirava pela coragem e que, se eu conquistasse o que realmente queria, que eu falasse com ele um dia. Há poucos meses o encontrei em uma rede social e tive o prazer de compartilhar toda essa história. É confortante, libertador esse sentimento de dever cumprido”.
MENSAGEM
Experiente, com um longo caminho de sucesso percorrido e com tanto ainda a conquistar, Francivaldo espera poder motivar e servir de espelho a novos engenheiros, aos estudantes que estão começando essa jornada. Exemplo de humildade e determinação. Mais um nome que passou pelo CCT e segue deixando suas marcas.
“Sei que minha vida dá um livro”, costuma brincar. “Mas não sou extraordinário, não. Fui e sou aluno como qualquer outro. Não sou melhor que ninguém, e faço questão de frisar isso em todas as oportunidades. Por mais capacitado e bem-sucedido que você se torne, você não é melhor em absolutamente nada em relação a ninguém. O que faz a diferença são as oportunidades que cada um tem na vida e como lidam com elas. Somente isso”.