Cientistas mulheres pedem inclusão de período de licença-maternidade no currículo Lattes

Um grupo de pesquisadoras enviou ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) uma carta com diferentes reivindicações para trazer mais igualdade de acesso e concorrência das mulheres às bolsas e financiamentos científicos no Brasil. Um dos pedidos é a inclusão do período de licença-maternidade no currículo Lattes, uma forma de sinalizar um possível “buraco” na produção durante o período pós-parto e evitar qualquer comparação injusta com os homens cientistas em processos seletivos.

O documento foi assinado pela professora Pâmela Mello Carpes, da Unipampa, que chamou a atenção dos colegas ao colocar a seguinte frase no Lattes: “Mãe de um filho de 14 anos, é atuante na causa das mulheres na ciência”.

A pesquisadora faz parte de um grupo de mulheres cientistas que está tentando chamar a atenção para uma queda iminente na produção científica durante o período de licença-maternidade – e como isso pode influenciar negativamente na carreira de pesquisadoras.

Eloah Rabello Suarez fez pós-doutorado na Universidade Harvard. Pesquisa uma das áreas mais promissoras no tratamento de câncer no mundo: a terapia genética. Isso não foi o suficiente porque ela tem um “buraco” na publicação de artigos científicos. Essa queda na produção coincide com outra parte importante de sua vida: ela é mãe de primeira viagem e, para os órgãos de financiamento de projetos, o tempo em que não produziu para cuidar do bebê interfere na hora de concorrer com outros pesquisadores, mesmo que sejam homens.

“A gente percebe que não existe uma compreensão muito grande das mulheres no meio científico com relação à licença-maternidade. A gente tem até vergonha de falar às vezes”, disse Eloah.

Pamela, a pesquisadora que chamou a atenção por colocar sua licença no Lattes, acabou sendo modelo para outras cientistas. Elas viraram um grupo que passou a acrescentar o período de licença-maternidade no currículo Lattes – a primeira tentativa de sinalizar para órgãos de financiamento porque há uma queda nas publicações por seis meses.

Em palestra sobre o assunto em setembro deste ano, Pamela lembra outros dados do IBGE de 2017 sobre as horas de trabalho doméstico de homens e mulheres no Brasil. Independente da renda e da idade, as mulheres cuidam mais da casa que os companheiros, pais, irmãos. São tarefas como cozinhar, lavar, cuidar das roupas, limpar, fazer compras. Quando a renda não chega a R$ 1 mil, elas chegam a trabalhar mais de 10 horas por dia.

E com a chegada da maternidade, manter a rotina científica fica ainda mais difícil.

 

Pesquisa inédita

Uma pesquisa inédita, ainda com resultados preliminares, analisou o impacto da maternidade na produção de mães cientistas: 81% delas dizem que ter um filho causa um impacto negativo ou muito negativo na carreira acadêmica.

O estudo brasileiro foi liderado pela pesquisadora Fernanda Staniscuaski, que apresentou dados preliminares em um simpósio no início do ano e, mais recentemente, no evento anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe). Ela chamou o projeto de “Parent in Science”.

Outro dado apresentado por Fernanda é o de que 54% das mães cientistas são as únicas responsáveis por cuidar dos filhos. Em 34% dos casos, os dois pais cuidam. Foram 1.299 docentes mulheres entrevistadas, 141 docentes de pós-graduação, 21 pós-doutorandas e 88 pais (maridos/companheiros de cientistas mulheres).

Veja os resultados.

Além disso, 40% dos entrevistados disseram que não conseguiram cumprir com os prazos para submissão dos trabalhos. O impacto da maternidade na carreira científica não é positivo:

Foi assim, com base na pesquisa e em conversas com grupos de pesquisadoras, que Fernanda, Pâmela e outras colegas decidiram pedir oficialmente que o tempo de licença passe a ser incluído na plataforma Lattes, meio mais utilizado para expôr a produção científica e usado como base para financiamento de projetos.

Em resposta às perguntas enviadas pelo G1, o CNPq disse que “está sensível à questão e recebeu a demanda do grupo “Parent in Science”, encaminhada à Diretoria da agência para avaliação e discussão.”

Disse, também, que “já oferece prorrogação das bolsas de mestrado, doutorado, pós-doutorado e produtividade em pesquisa para as bolsistas que se tornam mães, por meio biológico ou por adoção, durante a vigência do auxílio. Há, ainda, a reivindicação de que esse benefício se estenda para todas as modalidades de bolsa do CNPq.”

 

(G1)