Artigo – Meu amigo Braulio

Por Wagner Braga Batista*

Conhecemo-nos há quase 40 anos. Numa conjuntura bastante diversa da atual. Os movimentos sociais e sindicais ascendiam no cenário político. O protagonismo coletivo conferia vigor às lutas democráticas e em defesa de melhores condições de vida para a população avassalada pela ditadura. Não éramos meia dúzia de gatos pingados. Éramos centenas, milhares. Mas cada um, ínfimo que fosse, tornava-se indispensável. Crescia e crescíamos juntos.

Nesta conjuntura atordoante e prolifera nascemos juntos lutando pela democratização da sociedade e da universidade.

De pronto, constatei que, apesar de essencialmente conservador era engajado e virtuoso. Professor assíduo, mostrava-se bastante sintonizado com questões cruciais que emergiam na sociedade e na universidade. Aos poucos adentrou a porta do nosso sindicato situado no mesmo prédio do Departamento de Matemática e Estatística.  Passo seguinte aderiu às jornadas sindicais.

Após todos estes anos, sem hesitação posso afirmar que o companheirismo, a solidariedade e a perseverança foram alguns de seus traços mais marcantes e significativos.

A convivência desfez uma impressão inicial. Por trás daquela casca grossa, havia um a pessoa sensível, com atenção voltada para seus amigos e familiares. Por vezes até demasiadamente.

Contraponto da indiferença que grassa nos dias de hoje. Manifestava preocupações sadias. Ao seu modo, era solidário. Procurava mitigar dificuldades  e infundir novas expectativas de vida naqueles que se acercavam. Nestes tempos temerosos, Braulio tornou-se um oásis com água cristalina. Um amigo. Às vezes rude, porém sincero. Praticou a boa amizade destituída de conveniências. Sem mediações, sigilos e contrapartidas. A amizade verdadeira que confunde, envaidece e engana. Aquela que não esmorece mesmo em momentos difíceis e adversidades.  Prenhe de gratuidade e a compreensão mútua necessárias ao convívio humano. Sem dúvida, nossa convivência foi bastante profícua. Apesar de diferenças ideológicas, contribuiu para criar laços indissolúveis e sedimentar valores comuns. Pavimentou um prodigioso caminho repleto de passagens memoráveis.

Católico praticante, dotado de fé inabalável, não se abateu diante de vicissitudes. Com perseverança manteve firmes os alicerces construídos em vida. Debilitado, recusou se afastar do convívio acadêmico. Preservou laços que o uniam aos seus colegas e aos trabalhadores mais humildes na universidade. Com coração aberto e acolhedor continuou a alimentar o relacionamento com todos, sem distinções.

Esta alma gregária esmerava-se em fabricar alegria e sorrisos. Seu rosto sisudo se desfazia quando enveredava por hilárias narrativas e bem sucedidas incursões na esfera dos dissensos.  Brincalhão, disseminava bom humor como remédio eficaz para eliminar rancores e ressentimentos. Sua expressão carrancuda dava lugar a olhar fulgurante e à feição ingênua de avultada criança procurando com que brincar.

Braulio se foi? Não sei.

O imaginário é fértil e peralta, com suas estripulias transgride a realidade. Faculta projeções e fantasias que animam nossa existência. Ou melhor, faculta nossa subsistência irrigando-a com nossos sonhos e ideais. Por isto, damos as asas ao imaginário em momentos penosos.

Braulio viveu sua vida em estado de pureza e perpétua cumplicidade. Cúmplice da amizade transformou-a num dever de ofício. Sem ela e seus amigos, padecia. Por isto, sem beber, frequentava bares. Sem mais jogar futebol, religiosamente, fazia-se presente nas peladas, para irradiar peripécias de seus amigos.

Sentia-se feliz proporcionando felicidade. Sua vocação foi fazer amigos. Sentia-se plenamente realizado. Fez amigos e foi um grande amigo. Um predestinado, cumpriu sua sina.

Aí, me pergunto: Braulio foi embora sem se despedir? Como?

Lanço um olhar e vejo no cabide ao lado a surrada camisa do Treze. Sairia sem fechar a porta? Deixaria janelas escancaradas? Não me daria sequer um abraço?

Será mesmo que Braulio foi embora?

Parceiro nesta cumplicidade, silenciosamente, apenas sorrio…

Até sempre, Braulio.

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

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