Cortar financiamento científico é como ‘comer as sementes’, diz Nobel sobre o Brasil
Em apoio aos cientistas brasileiros, 23 vencedores do Prêmio Nobel assinaram uma carta enviada na semana passada ao presidente Michel Temer, com críticas aos cortes nas verbas destinadas à ciência. Em entrevista ao GLOBO, o laureado em Física de 1998 e professor da Universidade Stanford, Robert Laughlin, explicou a preocupação do grupo de alertar que mesmo pequenos contingenciamentos podem “destruir” investimentos já feitos e provocar a evasão de pesquisadores para o exterior.
— O problema de alocação de recursos é o mesmo em todos os países. Não é minha função aconselhar o governo sobre como tomar decisões difíceis como essa — comentou Laughlin, por e-mail. — O propósito da carta é simplesmente alertar a todos sobre os perigos de cortes profundos no ciclo orçamentário. Isso prejudica investimentos técnicos já realizados devido ao tempo necessário para reconstruir as atividades. A decisão de subfinanciar é, portanto, efetivamente a decisão de destruir.
No documentos, os cientistas recordam que o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações foi reduzido em 44% neste ano, e um novo corte de 15,5% está previsto para 2018. Neste ano, a verba disponibilizada para a pasta é de R$ 3,2 bilhões, cerca de um terço do valor despendido há quatro anos. Em 2018, a previsão é de R$ 2,7 bilhões.
Na avaliação de Duncan Haldane, físico britânico da Universidade de Cambridge laureado ano passado, em todos os países o “desenvolvimento de uma infraestrutura científica nacional é chave para o futuro”. Reconhecendo a crise econômica que o país atravessa, Haldane diz compreender ajustes orçamentários, mas cortes dessa dimensão podem ser fatais.
— Cortes de 20% ou mais são muito destrutivos, pois grupos de pesquisa são encerrados, as pessoas saem e é difícil reiniciar os programas quando a crise acabar — alertou Haldane. — Um corte de 50% desmontaria grande parte da ciência brasileira.
O físico contou ter sido contatado por colegas brasileiros, que pediram o seu apoio e prestígio internacional para enfatizar as preocupações da comunidade científica. A situação calamitosa do financiamento científico no país também foi divulgada aos colegas no exterior em artigo publicado recentemente pela revista “Nature”.
— O Brasil é uma grande economia e para desenvolver sua própria tecnologia precisa apoiar a ciência em nível internacional. Olhem o que aconteceu na China. No passado, os principais jovens cientistas chineses iam estudar na Europa ou nos EUA e ficavam por lá. Agora, a China está colocando dinheiro e atraindo muitos deles para casa. O Brasil ainda não alcançou esse estado, mas os progressos nessa direção serão cortados. Eles vão desmoralizar jovens cientistas e muitos deles irão procurar posições fora do país. Será uma grande perda para o Brasil. — comparou Haldane. — Ter ciência básica de nível mundial nas universidades e criar centros de excelência é parte fundamental da construção de um grupo mais amplo de graduados tecnicamente alfabetizados, que serão fundamentais para uma economia moderna. Encerrar isso em tempos de crise econômica é como comer as sementes dos plantios futuros durante a fome.
(O Globo)